Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

21/12/2024

As consequências do desastre da "operação especial" de Putin na Síria

Uma espécie de continuação de A indiferença da Rússia de Putin aos desastres militares é ainda maior do que a da URSS do PCUS  e O desastre da "operação especial" do Czar Putin na Ucrânia.

«Syria was a symbol of Russia’s desire to return to superpower status, a perch in the Middle East that even Putin’s Soviet predecessors never achieved. It’s hard to overestimate the value of such a position—close to the West’s energy resources and important waterways—to any Russian government, past or present. In 1973, the Soviets tried to jump into the region when they invited the United States to join them in putting Soviet and American troops between Israel and Egypt during the Yom Kippur War. The White House rejected the proposal, and the Kremlin then said that it would go in with or without the United States. The Nixon administration’s response was to order U.S. forces to raise their global nuclear-alert status. The Soviets got the message.

Some 40 years later, Russian jets were streaking over Middle Eastern skies so regularly that U.S. and Russian military commanders had to keep a line open between them to deconflict their operations.

As Russia’s geopolitical position in Syria has collapsed, Putin’s prestige and credibility have taken a serious hit. Putin has long prided himself on being an ally who never cuts and runs. As my friend Nick Gvosdev, a veteran Russia-watcher who serves as the director of the national-security program at the Foreign Policy Research Institute, told me today: “In the Middle East, Putin has often contrasted the fecklessness of American presidents with his steadfast support to those he views as Russia’s loyal partners. He has marketed this consistency as a selling point as to why he is a better mediator for regional disputes.”

Putin, however, helped seal Assad’s fate when Russia invaded Ukraine, dividing Russian attention and capabilities so badly that when HTS and other rebels launched their offensives, Moscow was unable to offer much help. Now the world has seen Assad chased from his own palace while Putin did nothing, a spectacle that casts doubt both on Putin’s power and on the value of his word.

Putin is also in other jams of his own making. The Russian economy is suffering from sanctions and from the costs of his military adventure in Ukraine. On the ground in Ukraine, his troops are advancing slowly through a meat grinder in a war that was supposed to be over in a week. North Koreans are fighting alongside Russians, and a senior Russian military officer was blown up in the streets of Moscow. The sprawling Russian Federation now looks like a banana republic that needs assistance from Pyongyang’s hermit kingdom and can’t even keep one of its own generals safe in the national capital.»

Tom Nichols, The Atlantic Daily 
_________________

O abandono por Putin de Bashar al-Assad, que ainda há pouco tempo parecia inamovível, depois de uma intervenção militar que durou quase uma década na guerra civil que fez muitas centenas de milhares de mortes, parte delas resultantes de armas químicas, foi uma grande derrota para os propósitos imperiais do regime putinesco e mostrou que no final ele é um aliado tão ou mais inconfiável dos que os presidentes americanos a quem ele acusou de o serem.

[Ver na série de posts "Denazification and demilitarization according to Tsar Vlad's Grozny model alguns exemplos, incluindo Allepo na Síria, das "operações especiais" de Putin] 

20/12/2024

BRICS-à-brac

Visual Capitalist

Seja porque a parte europeia do chamado "Ocidente" tem vergonha de existir, um complexo de culpa instilado desde sempre pela esquerda amante das ditaduras, seja porque do lado dos BRICS, por razões diferentes que vão desde a necessidade crescente de afirmação como grande potência da China até à tentativa do Império Russo de esconder o declínio, o certo é que se foi criando a ideia completamente sem fundamento da importância relativa dos dois blocos.


Um pormenor anedótico é a antevisão do ano em que o PIB da China ultrapassará o dos EUA que vem sendo revisto e adiado por razões que vão desde o acentuado e acelerado declínio demográfico da China até aos limites para o crescimento que se começaram a tornar evidentes na China após a pandemia [ver também o post Novo Império do Meio, um gigante com pés de barro (6)].

19/12/2024

Dúvidas (344) - O que podemos esperar das reacções ao acordo UE-Mercosur?

Há poucos dias a presidente da Comissão Europeia anunciou entusiasticamente a conclusão, depois de 25 anos de negociações, do Acordo de Parceria UE-Mercosur como «o mais abrangente de sempre no que respeita à proteção de produtos alimentares e bebidas da EU: mais de 350 produtos da UE estão protegidos por uma indicação geográfica. Além disso, as normas sanitárias e alimentares europeias continuam a ser intocáveis. Os exportadores do Mercosul terão de respeitar rigorosamente estas normas para aceder ao mercado da UE. Esta é a realidade de um acordo que permitirá às empresas da UE poupar 4 mil milhões de euros em direitos de exportação por ano.»  Palavras cuidadosamente estudadas para salientar umas consequências e omitir outras. 

Que este acordo seja um passo certo no caminho certo para aprofundar o comércio internacional no interesse dos países signatários é objectivamente pouco questionável, pelo menos desde Adam Smith, por muito que dentro de alguns países europeus os respectivos agricultores o vejam como uma ameaça que do ponto de vista dessas classes é também inquestionável. Como reagirão essas classes a este acordo?

O texto seguinte que foi escrito em Fevereiro, muito antes do anúncio da conclusão do acordo, prenunciava já realisticamente as prováveis reacções.  

«Em toda a Europa, uma revolta dos camponeses está se formando. Da Bélgica à Alemanha, Holanda, Polônia, Roménia e Espanha, os agricultores estão em pé de guerra. Um sector acostumado a privilégios exorbitantes - afinal, cerca de um terço do orçamento da UE vai para subsídios à política agrícola comum - os viu escapar. É, em muitos aspectos, uma história familiar, de uma casta privilegiada sentindo seu status em declínio. Pois o que é a Europa senão uma tentativa de manter as coisas como eram antes em um mundo em mudança? (....)

18/12/2024

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: Portugueses no topo do mundo (68) - O Sr. Trump não escapa ao talento de um luso-descendente e os mídia lusitanos não escapam ao apelo patriótico

Outros portugueses no topo do mundo

O currículo do Sr. Devin Nunes, membro republicano da Câmara dos Representantes até 2021, actualmente CEO da Truth Social, um twitter privado e megafone do POTUS eleito Sr. Trump, seria normalmente suficiente para que o luso-jornalismo de causas envilecesse ou no mínimo ignorasse a nomeação do Sr. Nunes como presidente do Intelligence Advisory Board, um órgão que supervisiona a conformidade do serviços secretos com a constituição americana. 

Na verdade o que se passou foi justamente o contrário. Apesar do progressista Los Angeles Times ter descrito em 2021 o Sr. Nunes como «um dos mais fervorosos e bizarros defensores de Trump no Congresso (... que ...) repetiu as teorias da conspiração do presidente» e usou a sua posição «para tentar minar [a] investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016», isso não impediu os mídia do Portugal dos Pequeninos de saudarem com incontido orgulho a nomeação do Sr. Nunes. Um exemplo da TVI: «Trump escolhe luso descendente para presidir ao Conselho Consultivo dos Serviços Secretos da Casa Branca».

Em conclusão, o apelo patriótico, como o que o Sr. Carlos Tavares já tinha escutado com outro propósito, também falou mais alto ao jornalismo doméstico do que a ideologia e os três-quartos de lusitanidade do Sr. Nunes foram suficientes para as redacções progressistas se renderem a um luso-descendente reaccionário.

17/12/2024

Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa (40)

Continuação das Crónicas: «da anunciada avaria irreparável da geringonça», «da avaria que a geringonça está a infligir ao País» e «da asfixia da sociedade civil pela Passarola de Costa» e do «Semanário de Bordo da Nau Catrineta». Outras Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa.


Para o Dr. João Costa, o último ministro da Educação do governo socialista que governou o país nos últimos oito anos, os maus resultados (comentados no post «As gerações "mais educadas de sempre" são das mais incompetentes da OCDE») que o relatório da OCDE mostra e que colocam os adultos portugueses nos penúltimos lugares de literacia e numeracia e no quinto lugar a contar do fim na competência para resolver problemas, são sobretudo culpa do Dr. Crato ministro da Educação de 2011 a 2015.

A insustentável sustentabilidade da Segurança Social

Depois de ter aprovado, em coligação com os restos da geringonça, um aumento extraordinário e permanente de 1,25% das pensões inferiores a 1527,78 euros a partir de 2025, usando o dinheiro dos trabalhadores que contribuem para comprar os votos dos reformados e assim reduzindo a sustentabilidade da SS a longo prazo, o PS ficou tão orgulhoso que mandou colocar um cartaz para extrair dividendos.

O Dr. Centeno que exorta à poupança, mas ele próprio não poupa nos discursos é para «levar muito a sério» diz o Dr. Pedro Nuno (que é para levar pouco a sério)

O Dr. Centeno que sentiu a necessidade (freudiana) de esclarecer que não está a fazer oposição, mas apenas a «aconselhar» o governo a não «transbordar o copo», aconselhamento que o Dr. Pedro Nuno diz que é para «levar muito a sério» porque o Dr. Centeno «sabe do que fala», o que não caso do próprio Dr. Pedro Nuno que fala disso depois de ter aprovado o referido aumento extraordinário das pensões.

O resto é paisagem ou de como o resultado das políticas “descentralizadoras” é a centralização

mais liberdade

Take Another Plan. SATA, uma TAP das Ilhas

Recordemos que a SATA, a companhia regional de aviação dos Açores, assinou em 2016 um contrato de leasing de um avião Airbus A330 que custou até 2023 mais de 40 milhões de euros, com o avião estacionado desde 2019 no aeroporto Sá Carneiro, por custar mais caro mantê-lo a operar. Entretanto a SATA recebeu ajudas de 453 milhões de euros e só em 2023 a comissão de inquérito do parlamento açoriano se deu conta. Descobriu-se agora que a SATA está tecnicamente falida, ninguém parece saber qual o montante exacto do passivo e procura-se um candidato privado para comprar o mono, querendo dizer um benemérito que, como é sabido, fora do Estado sucial é coisa que não existe.

16/12/2024

Crónica de um Governo de Passagem (31)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
«Anda um espectro pela Europa» - o espectro da crise

Os sinais estão aí para quem os queira ver. A indústria automóvel europeia em crise com o inevitável impacto em muitas dezenas de milhares de empresas fornecedoras a montante, a Alemanha à beira de uma recessão, a França sem governo e com uma crise de dívida, os bárbaros às portas, o comércio internacional ameaçado pelos delírios trumpianos, o Portugal dos Pequeninos a viver de um turismo que em poucos meses pode minguar o suficiente para nos colocar de cócoras.

Take Another Plan. O “apelo patriótico”

O Dr. Carlos Tavares que saiu da Stellantis, onde esteve a salvar o fabricante de 15 marcas diferentes de automóveis, depois de ter soprado para praticamente todos os jornais a sua disponibilidade para salvar a TAP, deu uma entrevista ao Expresso, publicada nas duas páginas centrais do caderno de Economia, formalizando a sua disponibilidade.

Depois de resmas de patriotas locais de várias cores porfiarem durante décadas na salvação da "companhia de bandeira" com os resultados conhecidos, só nos faltava uma criatura que vive no estrangeiro desde a escola primária ter sentido um tardio "apelo patriótico".

Faz o que eu digo, não o que faço

Para quem não saiba ou não se lembre, a CReSAP é uma entidade que avalia os candidatos a nomeações para cargos públicos. Criada pelo governo de Passos Coelho foi completamente ignorada pelos governos do Dr. Costa com os resultados que se viram de colocação de gente incompetente ou corrupta ou com ambas as características. O governo do Dr. Montenegro começou por respeitar um chumbo da CreSAP mas à falta de candidatos com mérito reconhecido nomeou para a Direção-Geral das Autarquias Locais um candidato que já tinha previamente nomeado em regime de comissão de serviço usando o mesmo expediente dos governos socialistas.

Não vos preocupeis. É só um grupo de trabalho para os resíduos (continuação)

Recordando, o relatório da proposta do OE2025, referia «um grupo de trabalho com vista a elaborar um relatório para identificação das empresas (pública) consideradas estratégicas, modo ou regime de alienação e estimativa da receita daí decorrente». Sem dar tempo a que pensássemos que este é um governo liberal, o Dr. Sarmento veio esclarecer que afinal só estaria em causa vender umas participações residuais (por exemplo, «menos de 0,0001% do capital»). A semana passada o governo veio exceptuar da análise do grupo de trabalho acabado de nomear a Caixa Geral de Depósitos, o grupo Águas de Portugal, a RTP e a Companhia das Lezírias. O resíduo do chamado sector empresarial do Estado que sobra com alguma viabilidade para privatização é, com toda a evidência, um conjunto vazio.

Boa Nova

Foram licenciados 28.004 fogos até Outubro, um aumento de 0,7% em comparação com o período homólogo, o maior valor desde 2008.

Choque da realidade com a Boa Nova

A má notícia é que a maioria dos fogos licenciados são apartamentos T3 vocacionados para famílias numerosas, famílias que, como é sabido, nas últimas décadas são pouco numerosas.

Por essa e outras razões, os preços das casas aumentaram 26% nos meses de Setembro a Novembro em relação ao final do ano passado. Entre as outras razões estará certamente o aumento da procura resultante do crédito à habitação cujos montantes cresceram 36% até Outubro.

15/12/2024

Mitos (346) - Da produção de graduados não nasce o desenvolvimento (3)

Continuação dos posts Da produção de graduados não nasce o desenvolvimento (1) e (2).

Já depois de ter escrito o post As gerações "mais educadas de sempre" são das mais incompetentes da OCDE, lembrei de ter lido recentemente o artigo «Is India’s education system the root of its problems?» onde se compara o relativo sucesso das políticas educacionais da China com o relativo insucesso das políticas educacionais da Índia diferença que, entre outras causas, explica como partindo ambos os países em 1970 com um PIB per capita praticamente igual chegaram à actualidade com a China a ter um valor cinco vezes maior.

No início do século em ambos os países menos de 10% das crianças frequentavam a escola, a diferença é que a China a partir dos anos 50 deu prioridade a aumentar a escolaridade primária e secundária enquanto a Índia deu prioridade a criar universidades de nível elevado em vez de expandir o ensino primário. No início dos anos 80, mais de 90% das crianças chinesas frequentavam uma escola primária e menos de 2% frequentavam a universidade, contra 70% e 8% na Índia, respectivamente,

No final da década de 80 os níveis de iliteracia eram de 22% na China e de 60% na Índia e, no que respeita à universidade, a China tinha uma clara maioria de graduados em engenharia e tecnologia e a Índia em ciências sociais. Os resultados foram duas mãos-de-obra completamente diferentes: a chinesa preparada para uma migração da agricultura para a indústria progressivamente mais avançada e a indiana para os serviços e a burocracia.

Para nossa infelicidade, as políticas educacionais do Portugal dos Pequeninos estão mais próximas da indianas do que da chinesas, não pelos problemas de baixa escolaridade primária e secundária mas pela falta de qualidade do ensino nestes níveis. Tal como em Portugal, onde uma parte significativa dos graduados nas áreas de ciência e tecnologia têm de emigrar para ter emprego decente, na Índia dos 1,5 milhões estudantes de engenharia que se formarão este ano estima-se que apenas 10% consigam emprego no ano seguinte.